março 07, 2009

Fogo na Paglia, Camille!

Ano passado, baixou por aqui (Salvador/Bahia - Umbigo do mundo), como convidada palestrante do programa de conferências da Braskem - Fronteiras do Pensamento, a sexóloga e escritora Camile P. Mostrou uma tonelada de slides de obras de arte e os interpretou sexologicamente...
Tedioso,
Brutal,
Inútil,
Ao final, até mesmo o escrete de 6 monges do mosteiro de São Bento que estavam na platéia estava dormindo enquanto ela mostrava o que imaginou pudesse nos entreter, chocar e educar.
Mal sabia que estava se expondo ridiculamenete no palco mais elegante da nossa Roma Negra.
Ao final da conferência, comentei com amigos que achava que ela deveria passar um carnaval conosco para se educar mais cosmopolitamente em temos de sexualidade.
E..
Não é que ela veio?
Estava este ano num trio com uma das nossas musas da axé-music, virtualmente eletrizada!

Uma sapatosa - sapata idosa e em curto-circuito!
Nunca mais ela deixa de vir!
Viu véia?
A Bahia é realmente terapêutica, pedagógica, orgiástica, caotizante.
Nós que moramos aqui, e que temos um mínimo de senso crítico, talvez não achemos que seja realmente essas maraviiiiilhas todas mas...
Se querem achar...
Eu acho é bom!
Vão achando, vão achando!

A Bahia cria e se adapta para ser admirada nas suas identidades!
É a Bahia Oxum; vaidosa e cintilante dançando de espelho na mão!
Olhando para si e não para a crise que, segundo nossos líderes, estaria no retrovisor
Foi assim que um dia, tranformou o minúsculo, gratuito e noturno acará no gigante, vendável e solar acarajé - ou acaraburguer - com direito a todo tipo de recheio havendo até quem jure já ter visto um americano saboreá-lo sob jorros de ketchup.
Foi assim que nosso frevo trieletrizado, gratuito, criativo, seriado e seletivo virou o axé pago, intelectualmente indigente, repetitivo, intermitente e tocável por qualquer aluno de iniciação musical
Se o Brasil é uma terra de bundas-moles, a Bahia é a terra dos Kuduros!
Horrível, hã...
Mas se o mundo gosta...

Logo abaixo, deixo uma crônica de um colunista do sul do país em que ele se confessa impotente para deixar a Bahia tão enfeitiçado que está.
A Bahia não está assim essas coisas...
Mas pela palavras dele, parece que o resto está bem pior!
Taí um textinho com T maiúsculo que me ufanizou proteticamente!
Peraí, antes que eu me esqueça...
Dia 23 de março tem conferência de Steven Pinker no TCA; não percam, não percam!
Agora sim, aí vai o texto:

Colunista em crise não consegue voltar das férias ...


Não consigo ir embora da Bahia.
Acabaram minhas férias e continuo aqui.
Mesmo que eu viaje depois do Carnaval, levarei a Bahia comigo.
Não se trata de louvá-la; quero entendê-la, não com a cabeça, mas com o corpo, com as mãos, com o nariz, entender como um cego apalpa um objeto, entender por que este lugar é tão fortemente estruturado em sua aparente dispersão. Aí, descubro que, ao contrário, a Bahia me ajuda a "me" entender.
Não sou eu quem olha; a Bahia que me olha de fora, inteira, sólida, secular, a paisagem me olha e fica patente minha alienação de carioca-paulista, fica evidente meu isolamento diante da vida, eu, essa estranha coisa aflita que está sempre entre um instante e outro, sem nunca ser calmo, inconsciente e feliz como um animal.
Na Bahia, vejo-me neurótico, obsessivo, sempre em dúvida, ansioso.
Gostaria de estar na praia de Buraquinho, quieto, dentro do mar, como um peixe, como parte da geografia e não fora dela.
Ninguém aqui se observa vivendo.
Salvador não é uma "cidade partida" como é o Rio, nem a cidade que expele seus escravos, como São Paulo, que um dia será castigada, estrangulada por sua periferia. Aqui, de alguma forma misteriosa, os pobres e negros, mesmo sem posses, são donos da cidade. A cultura africana que chegou nos navios negreiros, parece ter encontrado a região "ideal" neste promontório boiando sobre o mar, batido de um vento geral, para fundar uma cidade erótica e religiosa, plantada nos cinco sentidos, fluindo do corpo e da terra. Os casarios subiram os montes, o espaço urbano foi desenhado pelo desejo dos homens.
A Bahia foi o lugar perfeito para a África chegar.
Tudo se sincretiza, natureza e cultura. Espírito e matéria se unem como um bloco só, amores e vinganças fluem no sangue dos galos e dos bodes, esperanças queimam nas velas de sete dias, todas as coisas se amontoam num grande procedimento barroco de não deixar vazio algum, nada que sobre, que fique de fora, nada que isole matéria e gente.
Os deuses não estão no Olimpo; são terrenos e florestas, estão na rua, no dendê, dentro da planta. Consciência e realidade não se dividem, o povo e o mundo são a mesma coisa, e isso aplaca as neuroses, as alienações das megacidades onde o homem é um pobre diabo perdido no meio dos viadutos.
Como nas fotos do Mário Cravo Neto, tudo se une em um só bloco: o alvo pato e a mão negra, a mulher nua e a pedra, o nadador, o sol e a água, as frutas, os cestos e as bocas, as plantas e os pés, os búzios e os segredos, os santos e os orixás, as mãos e o tambor, a fome e a carne, o sexo e a comida. Tenho uma espécie de inveja e saudade desta cultura integrada, dessa sociedade secreta que vejo nos olhares das pessoas falando entre si, uma língua muda que não entendo, tenho inveja da palpabilidade de suas vidas materiais, tenho inveja da grande tribo popular que adivinho nos becos e ladeiras, das pessoas que riem e dançam nas beiras de calçada, que se amam na beira do mar, tenho inveja desta cultura calma que vive no "presente", coisa que não temos mais nas "cidades partidas", sem passado e com um futuro que não cessa de não chegar.
Nesta época maníaca e americana, que se esvai sem repouso, aqui há o ritmo do prazer, a "sábia preguiça solar" de que falou Oswald e que Caymmi professa. A civilização que os escravos trouxeram criou esta "grande suavidade", este mistério sem transcendência, este cotidiano sem ansiedade, esta alegria sem meta, esta felicidade sem pressa. Aqui a cultura vem antes da lei. Aqui o soldado na guarita é um negro com passado e orixás, dentro da roupa de soldado. O bombeiro, o vendedor, o pescador, o vagabundo se comunicam e existem antes das roupagens da sociedade. Até se travestem, se fantasiam deles mesmos nos horrendo resorts caretas da burguesia, mas não perdem a alma para o diabo, defendidos pela vigilancia de seus Exus.
A sinistra modernidade tenta adquirir a Bahia, possuí-la, apropriar-se das praias, das ilhas, dos panoramas. Mas mesmo o progresso urbano e tecnológico aqui fica domado de certo modo pela cultura, que resiste a esses embates. Os balneários turísticos aqui me parecem meio patéticos, meio Miami na vivência luxuosa dos acarajés, camarões e uísques trazidos por serviçais iaôs e mordomos de cabeça feita.
Aqui não se vêem os rostos torturados dos miseráveis do Rio e São Paulo: a pobreza tem uma religião terrena costurando tudo. As festas do ano inteiro não são diversionistas, orgiásticas, para "divertir" - são para integrar. As festas têm uma religiosidade pagã, sem sacrifícios, sem asceses torturados de olhos virados para o céu. Nada sobrou do barroco europeu sofrido; prosperou o barroco gordo, pansexual, com as frutas, os anjunhos nus, os refolhos e os europeus invadindo o convulsivo barroco da contra-reforma, com as curvas carnavalescas nas igrejas cheias de cariátides peitudas, sexies, gostosas, como as mulatas do Pelourinho. Não é uma sociedade, mas um grande ritual em funcionamento.
O Brasil aflito, injusto, imundo, inóspito devia aspirar a ser Bahia. Aqui dá para esquecer o jogo sujo do Congresso em Brasília, revelando a face oculta dos bandidos com imunidade, emporcalhando a democracia, aqui você não morre afogado na enchente da marginal do Tietê, nem o Ronaldinho é assaltado com revólver na cabeça. Não conheço lugar mais naturalmente democrático.
E, por isso, não consigo ir embora.


Vou comprar uma camiseta "NO STRESS" e ficar bebendo um frappé de coco para sempre.

P.S. Caetano postou algo muito legal sobre o carnaval em seu blog; não deixe de ler!
Clique aqui!

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi Manellis,
Quem é o cara?
Ele esteve aqui mesmo ou foi alucinação?

Anônimo disse...

Caro Manellis:

A Europa invadiu a África não apenas à imperialista procura de riquezas, mas também ao encontro do desconhecido, do pitoresco, do exótico, como para purgar-se da incapacidade de ser feliz em sua própria casa.
Nosso colunista, típico representante do sul maravilha, talvez pelas razões descritas acima elege a boa terra (sim, é boa mesmo!) como sua Xanadu e produz simulacro de literatura sobre uma realidade ficcional, já escrito milhões de vezes, mas que faz bem à alma.
Vocifera contra o mundo cão como se ele, dele, também não fizesse parte ou como se ele, por ele, também não fosse responsável (anjinho barroco, rechonchudo e inocente...). Posso perpetrar maldades o ano inteiro e ir à Bahia no verão para desbundar e tomar banho de pipoca, assim serei perdoado.
E não lhe falta, é claro, a veia gauche (nada mais típico, afinal é um “colunista”), descompõe a burguesia (só para variar, esquecendo-se de que ou ele é burguês ou adoraria sê-lo...), maldiz a América (só para variar, esquecendo-se de que sonha em levar os filhos a Orlando ou ser correspondente da Globo em NYC) e destrata balneários turísticos (só para variar, esquecendo-se de que, como bom “colunista”, não dispensa uma boca livre ou uma sinecura estatal).
Talvez lhe fizessem bem um exemplar do dicionário de baianês e um exemplar de “Personas”, além do telefone de la Paglia... do alto do trio da Saborosa consertariam o mundo.

André Romeo

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