Se a comida não estiver boa,
Que haja pelo menos uma boa companhia.
Se nenhum dos dois for possível,
Que a comida não nos faça mal!
Eu que sempre primei por observar a ocorrência feliz da trilogia algorítmica acima citada, hoje, a vivi de modo um tanto caótico; o bandejão do hospital, realmente, estava num de seus piores dias e eu já estava para engatar a marcha do mastigamento rápido afim de dar conta do serviço quando observei a chegada de Zezo em sôfrego movimentos de cabeça rastreando uma companhia para o repasto.
Ao contrário do habitual, Zezo exibia um ar um tanto quanto preocupado naquela manhã. Poderia não ter gostado da aparência da comida, podia estar com um familiar doente, com dívidas...sei lá, uma tragédia qualquer. A minha impressão se desfez quando notei que ele tinha me visto. Correu até minha mesa e pediu-me para puxar o freio de mão afim de podermos conversar durante o almoço. Aquele sim era o colega que eu conhecia.
Zezo sentou-se e disse-me que tinha passado toda a manhã numa cirurgia plástica com uma paciente que para ele era um caso perdido e para ganhar minha empatia, foi logo me citando:
- Sabe Morph, é como você diz: cirurgia plástica, às vezes, é uma enganação; ou a mulher é tão bonita que não precisa ou é tão feia que não adianta!
Mulherengo e cioso de sua performance de alcova, aquele comentário (no qual ele usava a minha máxima do “não precisa e do não adianta” de forma particularizada) não caía-lhe lá muito bem; imaginei que algo de errado pudesse estar ocorrendo com sua auto-estima. Ele continuou:
- O dinheiro que o marido daquela paciente está gastando com a reforma daquela carroceria velha dava para comprar duas novas com metade do tempo de uso! O botox vai deixá-la com a mesma espressão emocional de um agente da KGB; bem, mas se considerarmos que ela era parecida com o fofão e agora vai lembrar o Topo Gigio, pode até ser engraçado. Sabe Morph, ele botou uns silicones que parecem duas bolinhas de tênis presas no peito de um leão-marinho! Deu uma puxada na barriga que a implantação dos cabelos daquela parte que presta ficou quadrada como a cabeça do Herman monstro! Acho que a partir de agora ela vai poder usar um mictório masculino!
Eu já estava para morrer engasgado com aquele paroxismo de humor negro quando decidi dar uma de advogado do diabo e inverter a situação:
- Ô Zezo, dá um tempo, Parece que comeu torta de tamarindo com calda de limão! Você também não está mais lá estas coisas. Vive dizendo que tomou um Rivotril aqui e ali para conciliar o sono, não faz mais aquele barulho de cachoeira quando vai fazer xixi, não se senta mais de primeira sem antes, digamos assim, retirar a bolsa escrotal do perigo de esmagamento; tá cheio de hérnias de disco, tomando remédio para hipertensão e colesterol alto, seus cabelos não estão mais com o padrão mínimo de densidade e a tintura que você usa no bigode já está em sério contraste com a vitalidade da pele do seu rosto! O que é que há? Todo mundo envelhece, o importante é viver as fases da vida com tranqüilidade! O que foi que houve? Foi a primeira vez que você falhou na segunda ou foi a segunda que você falhou na primeira?
Amigo de longo tempo, ele reconheceu minha perspicácia clínica incrementada, de certo, pelos longos anos de amizade:
- É negão, pior que isto, não tou bem não! Parece meio besta, mas esta manhã eu me lembrei muito de meu tio Joca de quem você sabe, eu gostava muito.
- Sim e daí?
- Ah, ele vivia inventando histórias engraçadas e outras nem tanto.
- E de qual você se lembrou?
- O tio Joca estava dando uma “assistência” à uma vizinha do bairro cujo marido, aplicadíssimo ao trabalho, parecia andar meio mal das pernas, no quesito obrigações conjugais. Eu, à época, estava me educando nestes assuntos e perguntei a ele o porquê daquilo uma vez que a tal vizinha parecia ser tão exuberante. Tio Joca me disse que os homens, à medida que envelhecem, podem perder um pouco do interesse de jogar o mesmo ping-pong com a mesma parceira sempre do mesmo jeito e, uma vez que somos divididos em dois grupos básicos: infiéis e covardes, os covardes começam a definhar apresentando estes sinais de esmorecimento, espinhela caída, insônia etc etc etc. Alguns, segundo ele, disfarçam e vivem arrumando cansaço nos reparos domésticos, horas extras ou prolongados “Testes de Cooper”...tudo para esconder o fato de que não podem mais sustentar uma toalha sem usar as mãos! Nem seca quanto mais uma molhada (se você não entendeu, sinto muito!). É Morph, o Tio Joca era uma enciclopédia...
- Sim, perguntei curioso, mas de qual lembrança você tirou esse azedume de hoje?
- Bem é que eu lembrei que entre os sintomas ominosos que o Tio Joca enumerava estava o da migração dos pentelhos.
- Como é que é?
- Ele dizia que quando nosso pintinho – Juro, ele falou assim!- está para morrer para o prazer, os cabelinhos – Juro, de novo! – vão fugindo para longe e não é de hoje que eu noto que meu saco está ficando careca! Só não sabia para onde os cabelos estavam indo.
- E então, agora você já sabe? É por isto que está assim? Onde estão eles?
Zezo me olhou melancólico e disse:
- Pô Morph, exatamente para onde o Tio Joca falou que eles iam nos casos mais graves...
- Onde, onde, perguntei ansioso.
Zezo levantou a mão e, com os olhos rasos d’agua, apontou para dentro do ouvido!
Lá estava um tufo exuberante de cabelos celebrando a entrada de Zezo no clube dos Orelhas Peludas!
Não precisa dizer que passei toda a tarde me contorcendo em cólicas por causa da quantidade de ar que engoli dando risadas!
Quando a euforia arrefeceu, fui arrastado por uma mão invisível até o vestiário e tentei identificar, ao espelho, qualquer, qualquer mesmo que fosse, mínimo crescimento capilar atípico no meu conduto auditivo...e...e...e...
Nada ainda!
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