outubro 16, 2007

A viagem de Paulinho


No dia da minha cirurgia, minha mãe me acordou bem cedinho e já foi logo dizendo: "Lembra o que o dotô falou, não pode comer nada, hein...! Apenas escovar os dentes e pronto"! Nem liguei, não sou muito chegado a comida mesmo! Logo já estava de roupa trocada. Não que tivesse ansioso pra ir pro hospital, é que, como completaria seis anos no fim de semana, papai falou que se eu me comportasse direito, passaríamos o dia do meu aniversário todinho no parque.

Chegando lá, ficamos sentados um bom tempo, enquanto isso, mamãe tirou minha roupa e me vestiu com uma roupa branca. Até minha cueca ela tirou! Aí começei a lembrar no que Maria tinha me falado, que eu ia tomar um monte de injeções. Comecei a ficar com medo e agarrei bem forte o pescoço da mamãe. Ela me deu um remedinho de morango, cheiroso..., mas ruim demais. Mesmo assim tomei tudo. A moça falou que era sonífero, eu ouvi na hora!

Depois, apareceu uma moça, gorda, feia e preta, com dentes enormes, toda vestida de azul e branco, touca na cabeça e empurrando uma cama com rodas. Disse: "Oi Paulinho, tudo bem? Vamos lá? É bem rapidinho...! Eu me tremi todo de medo, meu coração parecia pular pra fora! O sono não chegou e agarrei ainda mais forte minha mãe. Comecei a chorar só imaginando as enormes injeções que aquela gorda iria me dar. Mas meu pai me puxou pelo braço e falou: Vá agora senão você vai apanhar, rapaz! E deixe de choro! Ele me colocou deitado na cama e, tentando me acalmar, repetiu: Lembre-se do que combinamos, apontando o dedo pra mim.

Rápido a moça gorda arrastou a cama. Ela puxava conversa comigo, mas eu estava paralisado, tremia, e me deu uma vontade danada de fazer xixi. Não abri a boca pra nada! Lembro que quando atravessamos a porta, vi um montão de gente vestida com aquela mesma roupa azul e branca, andando de um lado pra outro. Então, entramos numa outra sala, fria e silenciosa.

Meu medo aumentava cada vez mais, comecei a chorar e chamar minha mãe. A moça me falava umas coisas, mas eu nem ouvia. Na sala, achei tudo diferente. Tinham outras pessoas lá dentro. Lembro que tinha uma cama de ferro bem no meio, cheia de alavancas, pedais, e subia e descia igual a um elevador. Foi nela que me colocaram deitado! Eu olhava pra tudo e via tudo meio diferente, acho que era o efeito do sonífero começando. Olhei pra cima e vi dois discos voadores, cheios de luzes acessas. Nas paredes da sala tinham fios, botões coloridos, torneiras... Ao meu lado tinha um negócio fino e cumprido, parecendo uma árvore seca.

Chegou um moço perto e ficou conversando uns negócios comigo, não lembro direito... Eu só vi que ele havia escondido um monte de injeção debaixo do pano. Imaginei: chegou a hora! Minha vontade era sair correndo e gritando... Mas aí ele me mostrou um incrível robô que era maior que eu. Disse que era "carro-de-anestesia", mas eu acho que era um robô que dava anestesia, pra mim era um robô! Era legal! Tinha pernas, barriga, peito, braços e, na cabeça, um monte de luzes coloridas piscando. E fazia "bip", "bip", "bip", " bip"..., sem parar. Achei o máximo, tinha até esquecido o medo das injeções.

Daí, o moço colocou uma luzinha vermelha no meu dedo, umas medalhas no meu peito e tirou uma máscara de uma das gavetas do robô e disse pra eu soprar, era igual às mascaras que eu via na televisão. Comecei a respirar pela máscara e ouvi-lo dizer que a viagem ao espaço estava começando, que a nave já iria decolar. Saiu um gás do robô, ele disse que era um gás-flutuador-espacial, próprio de astronautas. E ouvi os motores funcionando..., as luzes piscando..., os discos-voadores se mexendo...

Até que tudo escureceu de uma vez. Acho que quando chegamos no espaço sideral!

São as últimas coisas que lembro da viagem. Esforço a memória tentando encontrar marciano, planeta distante ou asteróide, mas só consigo lembrar do momento em que acordei, ao lado de minha mãe e meu pai, com meu pinto já todo enrolado e sujo de sangue.

Depois voltamos pra casa.

No dia do meu aniversário, ganhei bolo e alguns presentinhos, mas não saímos de casa. Não teve parque de diversões. Meu pai disse que iremos na outra semana.

Estou contando os minutos, não vejo a hora de encontrar lá alguma espaçonave.




Enquanto Manellis faz a sua viagem, venho aqui contar com foi a viagem de Paulinho!

PS: Em 16 de outubro de 1846, o senhor Willian Thomas Morton, no Hospital Geral de massachusetts utilizou pela primeira vez o dietil éter num tal Edward Abbott com a finalidade de propiciar anestesia cirúrgica para retirada de uma lesão vascular cervical. Foi um experimento considerado bem sucedido e hoje estamos nós aqui 161 anos depois comemorando nesta data (16 de outubro) o "dia do anestesiologista". Parabéns aos colegas de plantão (e também aos que não estão!).

2 comentários:

Manellis disse...

Hablo de Barcelona a todos mis amigos de Brasil!
Saludos a todos e un feliz día del anestésiologo.
Sí porque como ha dicho mi amigo Rui, si los málos quirurjanos necessitan de un bono anestésiologo, los buenos nos merecen!
Gracias a tu Alejandre por el contito!

Anônimo disse...

Oi, Alexandre

Que bom reler "A viagem de Paulinho" postada por vc no blog no dia em que é comemorado o dia do anestesiologista.
Parabéns por ser tal ímpar e tão bem sucedido na sua profissão.
Bjs.!!!
Tia Bel.

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