O crepúsculo,
Momento mágico pelo qual anseiam magos e demônios: policromia que anuncia a escuridão, fugaz e anti-frugal, fresco pela sombra, quente pelo calor exalado das estruturas à nossa volta, yin e yang, breve lapso no qual a natureza troca o ofuscar do sol pelo manto da noite revelando sua beleza nua, nua, nua.
Neste momento, neste breve momento, em algum instante, tudo que é belo grita por um átimo duas oitavas acima dos grilos e das cigarras como a corista que oferece a visão do seu vértice aos olhos atentos de quem não ousar piscar.
Inesperadamente, no momento que ainda dura, eis que pousa à minha frente, sobre a mesa de madeira escura, um improvável copo transparente cheio pela bordas de suco de tangerina madura, recém extraído; Seu amarelo denso, ornado de gotículas transparentes de umidade condensada, me convida, me seduz e me pergunta:
E então...
a tarde não tardará a findar, é necessário que me bebas, o último gole ao mesmo tempo que o último raio de luz,
Serias capaz?
Bebido antes do final da tarde, o cadáver do copo vazio jazendo sobre a mesa na penumbra incompleta, certamente me melancolizaria;
Bebido na escuridão do lusco-fusco, me faria sentir mórbido;
Sem a luz, a bebida estaria morta.
Era preciso ser preciso!
Cheio, à minha frente, o copo falava com palavras de cor e cheiro de fruta, com o sabor antecipado que me inundava a boca, com o estalar das pedras de gelo que se rachavam e com o tato molhado e frio que me aguardava ao momento do toque!
Tão vivo e tão independente, o copo de suco deveria morrer exatamente ao chegar da noite.
Era este o seu propósito!
Esta era a minha única certeza.
E... era apenas um copo!
Ora, poderia ser alguém!
Pois assim como este copo, pessoas também se nos aproximam ao final da tarde;
É necessário que as bebamos - tais pessoas - no ritmo certo, sem demora e em goles longos, como elas se oferecem, pois uma vez que se postem à nossa frente, é assim que querem (e devem!) ser bebidas.
Que a noite, sempre a rondar a beleza dos crepúsculos, nos poupe, com sua chegada, da visão de seres esvaziados.
De cadáveres transparentes plenos de nada e de pedras de gelo.
Que o último gole de cada presença se perpetue em nós, sob a luz do último raio de conteúdo, o sabor e o deleite de cada companhia inesperada.
E aí,
Vai beber o que hoje?
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