março 20, 2007

Música é perfume e uma porção de outras coisas!

Lá estava eu, tentando atualizar o morpheus numa brecha de tempo livre a alguns dias atrás, quando ouvi seus passos vindo em minha direção: "Tio" Rui se aproximava...
Não vos preocupeis, apresentar-vos-ei a esta "entidade":
Trata-se de um colega de especialidade cujo título de "tio" foi ganho, mérito próprio, pela sua maneira doutrinesca (simultâneamente doutrinária e farsesca) de expor uma filosofia prática de vida carregada de silogismos inesperados, idiosincrasias, preconceitos e humor; uma destas figuras que têm lugar cativo no zoológico mental de qualquer apreciador de tipos humanos; um sujeito ímpar ou, segundo ele mesmo, "primo" porque é ainda mais raro!
Passional até medula, "tio" Rui é um destes colegas que quanto mais conhecemos os defeitos mais apreciamos as qualidades e ele faz questão, inconsciente, de que isto aconteça: joga um defeitão na mesa e vai pescando com uma linha de pequenas atitudes afetuosas.
Um dos exemplos mais pitorescos que lhes poderia dar do seu jeitão é o que vai abaixo:
Certa vez, ao entrevistar clinicamente um paciente, o seguinte diálogo foi registrado e entrou imediatamente a seguir para a antologia baiana de "causos" clínicos:
- O senhor fuma?
- Não.
- Nunca fumou?
- Não.
Ao que intervém a esposa do paciente que até então escutava calada à entrevista:
- Fale a verdade, Alfredo
- Não, não fumo
- Alfredo!
- Não, não sou fumante, não sou um viciado!
- Mas Alfredo, e neste último domingo?
- Ora mulher, domingo é domingo e eu fumo apenas um único cigarro depois do Fantástico por que aquela música me deprime muito!
Ao que, agora de maneira definitiva e acachapante, intervém "tio" Rui:
- Ora seu Alfredo, eu tenho um amigo que só na terça-feira de carnaval namora homens e prá mim ele é bicha mesmo assim!
Pausa...
Seu Alfredo acabava de se convencer de que era (realmente) fumante!
Break
Pouco tempo depois de nos conhecermos, sabendo-me ele um músico amador embora formado em violão, eis que, em meio a uma roda de coversa, me sai com esta: Manellis, você que me parece uma autoridade em MPB, confirme, a este bando de ignorantes, o que eu venho dizendo há décadas: Maria Bethânia é ou não é desafinada?
Todos me olharam com apreensão pois nos últimos 50 minutos "tio" Rui tinha falado ininterruptamente sobre assuntos que iam de atracação de navios a criação de minhocas com autoridade de PhD e agora me abria compassivamente uma nesga de espaço acústico para perplexidade da audiência.
Estava claro que aquele personagem idiosincrásico de 1,90m estava me fazendo uma proposta de cumplicidade das mais descaradas e por isso mesmo, das mais valorizadas em ambientes masculinos.
Aquiesci:
Podia começar com um "veja bem...não é assim..." mas, para minimizar o sofrimento da audiência e manter o tempero do folclore em cima do "personagem", respondi que sim!
O refeitório do hospital acabara de abrir para o almoço e todos se sentiram justificados em sair do ambiente sob o pretexto de almoçar ("tio" Rui conversa muito pouco enquanto come para evitar a aerofagia!).
Ninguém realmente saiu dali acreditando que eu considerasse Bethânia como desafinada e sim que eu era um cara tranqüilo e realmente capaz de inaugurar uma amizade com uma atitude de coragem!
Toda esta história veio para que pudesse arrematar neste final, ao revés do que afirmei no episódio acima:
Bethânia é o máximo!
Considero Bethânia e sua voz como algo mágico. Sua paixão pelo Brasil, pela Bahia e por seu Santo Amaro da Purificação é o melhor exemplo que conheço de entendimento apropriado e bem conduzido da condição à qual são eventualmente subjugados até mesmo espíritos evoluídos e poderosos como o dela.
Um exemplo vivo de que a evolução pode ser contínua e ininterrupta uma vez manifesta sobre a correta substância.
Bethânia talvez seja o antídoto perfeito para a sensação de envenenamento e raiva que sentimos ao acompanhar a evolução recente dos acontecimentos no nosso país
Assista "Saravah" e "Música é perfume", duas realizações de cineastas estrangeiros. No primeiro, dedicado a Baden, vemos uma Bethânia jovem cantando na praia com Paulinho da Viola & Cia, exalando em juventude todas as tintas de sua fortíssima personalidade; no segundo Bethânia aparece madura e incrivelmente evoluída falando de suas raízes e circulando em diversos meios.
Seja cantando, explicada por Caetano, reverenciada por Nana e Miúcha ou simplesmente explicando por que o pôr-do-sol não é sua hora favorita do dia (é a hora da troca da guarda no mundo espiritual e o momento de maior fraqueza dos magos - Nota de Morpheus!), Bethânia deve ser vista neste documentário por quem quiser saber de que se compõe uma verdadeira estrela!
Não poderia deixar de dizer que a visão de Bethânia, às vezes, me evoca também a de "tio" Rui e de todos aqueles amigos dos quais realmente gostamos seja por suas qualidades, seja por seus defeitos!

Manellis,

(Com um pé na crônica)

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails