março 01, 2007

Fim de festa

Domingo último assistia a TV quando vi, num programa da TVE, a nossa atriz e cineasta Carla Camurati lamentar-se sobre o caos urbano que vai do aspecto simplesmente arquitetônico-urbanístico ao social; o trecho que me chamou mais atenção foi quando ela manifestou a perplexidade perante ao pastiche arquitetônico em que se transformaram as nossas grandes metrópoles, notadamente o Rio de Janeiro. Ela disse então: "...gente! se olharmos uma foto do Rio de cem anos atrás dá vontade de chorar..." e "...o pior de tudo é que isto não aconteceu por falta de espaço, o nosso país é tão grande..."
Aí chega a semana: chacinas, a morte dos franceses no Rio (responsáveis por uma ONG super eficiente) por pessoas que eles mesmos ajudaram, a adolescente baleada num tiroteio na saída de um assalto a banco... e por aí vai.
A televisão sangra pelos botões e contamina a refeição de quem faz a bobagem de ligá-la para "saber o que está acontecendo" com remorso, impotência, raiva, medo e uma pequena dose de...anestésico; isso mesmo! a pequena dose diária de más notícias associada à falta de providências realmente efetivas vai nos anestesiando aos poucos e promovendo um clichê nauseantemente repetido: "Banalização do mal"
Espinoza, meu santo Espinoza, conjecturava que a ética só é pertinente a seres parcialmente livres pois seres sem liberdade não podem ter nenhuma responsabilidade atribuída ao passo que os completamente livres são por definição livres de qualquer coisa inclusive...de responsabilidades.
Em que estágio estaríamos, nós classe média, mediana, medíocre?
Acho que estamos espremidos entre os totalmente livres e impunes (e por tanto inconstrangíveis) e os totalmente sem liberdade, filosoficamente inimputáveis.
Os principais jornais televisivos deram agora para pisar e repisar o tema da violência urbana sendo que seus locutores parecem agora terem sido orientados a fazerem pequenos comentários com dose extra de indignação. Parece bacana mas, ao meu ver, só aumenta a velocidade do processo de dessenssibilização pelo qual se vem passando.
A solução passaria por vontade política certo?
Não!
O métier político é duríssimo com as pessoas bem-intencionadas por ostentar uma couraça só ultrapassável por pessoas dispostas a fazerem concessões éticas e essas pessoas não têm vontade política e sim projetos pessoais. Como resolver situações como a atual no prazo de uma existência visto que nem eu nem você temos essa fé toda em reencarnação?
Break
O carnaval de um ministro de estado foi solapado por um assalto que só foi registrado dois dias depois pelo dono da propriedade! O que é que você acha?
Break
A malandragem e a esperteza já tiveram seus dias de glamour com Bezerra da Silva, Morengueira e compahia veio então Charles anjo 45, passamos pela propaganda do vila rica e por Odete Roitmann com a histórica banana dada ao Cristo pelo vilão interpretado por Reginaldo Faria no último capítulo.
Será que ninguém percebia que isto ia acabar mal?
Criamos monstros urbanos que se adensaram viciosamente como fazem moscas, que acham, em cima de uma pia limpa, um peqeno pedaço de carne podre.
Na imagem criada, a carne podre é a concentração de renda as moscas são seres humanos e a pia limpa representa a ausência de meios de tranporte eficientes e baratos que permitiriam às pessoas aproveitar o espaço que Carla Camurati cita como patrimônio do nosso país.
Constranja espacialmente um ser humano pardo ou negro do sexo masculino, banhe o seu cérebro vazio com um sangue contaminando por toxinas e carência de nutrientes, adicione um pouco de medo à mistura, coloque um buteco imundo e rituais primitivos de disputa social como seu cotidiano e, prá finalizar, quantidades generosas de desesperança: você acaba de criar, na prancheta, o agente típico da violência urbana no país, segundo os órgãos encarregados de estudar a epidemiologia do fenômeno.
Que verborréia, hein?
Já me prometi mais de mil vezes não chover no molhado que é abordar este tema mas, no momento, não deu prá segurar.
Ah!, antes que eu me esqueça, a figura de abertura do post é do blog Indexed; a autora escreve notas super espirituosas sob a forma de gráficos pseudo-matemáticos e publica aos montes para o nosso deleite. Clique na figura que ela te levará ao blog

Voltarei já com amenidades e alienações,
Me aguardem!

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