Mais um dia daqueles em que nada acontece de novo no escritório...
Opa, poderia materializar aqui em texto, algumas divagações.
Acompanhei atento, antes do expediente esquentar esta manhã, uma discussão entre tecnomaníacos que excitou a minha imaginação ao mesmo tempo em que me manteve cinicamente longe da refrega verbal.
Discutiam acaloradamente a respeito de qual seria o melhor conjunto de áudio da atualidade e, à medida em que os argumentos se tornavam mais e mais subjetivos, eu sentia um cheiro de blefe aqui e ali. Cada um tentava a todo momento sondar uma área desconhecida ao outro para então construir uma situação retórica e mostrar indiretamente a ignorância alheia aos mais ignorantes ainda que estavam na audiência.
Pelo número de vai-e-vens e de golpes bem-sucedidos de ambas as partes ficava fácil para um leigo inteligente obter diversão com as vaidades e as ignorâncias em jogo.
Minha diversão tinha um “plus”: sabia que nenhum deles conhecia patavina de música no seu aspecto estrutural, quero dizer: riqueza harmônica, linhas de baixo, contra-canto, estruturação da peça, instrumentos envolvidos e seus timbres, a intenção de um autor em criar emoções específicas ou em antropomorfizar a intervenção dos instrumentos, o ritmo e a etnicidade de uma peça etc e tal. O fato de nunca terem lidado com as dificuldades de execução de um instrumento qualquer os colocava, musicalmente, apesar do status sócio-econômico de ambos, diante de um abismo perante a um mero violeiro de feira. Vi naquele momento que assistir, com imunidade de observador, a uma situação na qual ignorância e vaidade entram juntas em campo pode ser divertido e reconfortante por justificar todo e qualquer esforço de quem quer que tenha se aproximado em algum tempo da expressão artística de forma sincera.
Audiófilos são animais de estimação da indústria pois são os early-adopters de qualquer nova bugiganga que um dia vai chegar às nossas casas bem mais baratos do que eles compraram!
Então, se não fossem eles...
Pensei, a seguir, no meu simples e antigo equipamento que cubro regularmente de sentimentos afetivos e no fato de que nenhum avanço atual seria capaz de aumentar, significantemente em mim, o prazer de ouvir Baden solando, Armandinho em um frevo, Jacob trinando seu bandolim, os baixos de Dori e de Dorival, Elis oscilando e chorando na roseira, a introdução de Cais e a voz extraterrestre de Milton, as meninas do Amaranto, João Bosco quando entra em transe utilizando as notas ritmadas como a fumaça de um incenso...
A arte é o nosso portal de transcendência e devíamos ser educados programaticamente para vivenciá-la, criá-la e interagir continuamente durante a vida.
Seu espaço reservado na nossa alma é tamanho que penso que diante da sua ausência, por abominar o vazio, a natureza lança mão do entulho mais acessível nas proximidades e preenche o indigente órfão com sentimentos venenosos.
Nada pode vingar se tal situação for epidêmica.
Que deseja um rei que não dá importância a arte?
Arte é bálsamo e braço que balança o espírito que a contempla, à medida em que este salta níveis sucessivos de profundidade interpretativa o deleite aumenta e a sintonia com o divino se estabelece.
As belas-artes são belas, profundas, complexas mas acessíveis; são fruto da técnica, sentimento e da inspiração...
Acabada a discussão entre os audiófilos, o dia começou igual como sempre nos últimos tempos. Acabava eu, por meu lado, de meditar prazerosamante sobre obviedades profundas e, sem ganhar um tostão, começava o dia mais rico do que quando acordara!
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