No começo deste mês de maio estive em São Paulo para compor com o corpo de palestrantes convidados do Congresso Paulista de Anestesiologia. Deu para matar saudades dos ex-colegas de residência médica e dos amigos de várias partes do Brasil. Voltei a encontrar o Professor Ronald Miller, editor de um dos livros texto mais importantes da especialidade, veterano da guerra do Vietnam e pesquisador na área de reposição volêmica.
Algumas coisas muito interessantes e outras nem tanto, mas um congresso é assim mesmo.
Enviesado q sou para a interpretação darwinística e imunológica da medicina q pratico, às vezes me sinto um ET quando vejo como patinam em anacronismos e convicções obsoletas, as abordagens de determinadas condições.
Foi assim ao assistir à enésima apresentação sobre o papel dos betabloqueadores na proteção contra eventos cardiovasculares; muito chato ver uma indicação ser negada, galgada à condição de panacéia pela medicina baseada em evidências e, agora, ponderada entre tantos condicionantes que deixa dúvidas sobre a existência de algum benefício.
Os eventos mais temidos no pós-operatório, por trás de toda literatura neste tópico sobre betabloqueadores, são: o infarto do miocárdio, as arritmias graves e a morte secundária a estes.
Reduzir o consumo de oxigênio nos leitos vasculares à jusante das placas ateromatosas é válido mas não é suficiente; os eventos começam a matar os pacientes, inclusive os que tem angiogramas inocentes, no segundo ou terceiro dia do pós-operatório. A explicação lógica para isto, ao meu ver, é o esgotamento das reservas orgânicas de anti-oxidantes; as placas, mesmo aquelas moles e sub-clínicas, começam a "fritar" e entram em erupção causando tromboses periféricas, infartos do miocárdio e cerebrais. Abordagens peri-operatórias, está cada vez mais claro, podem ser gatilhos importantes na "pessimização" do trauma: ventilação pulmonar com grandes volumes correntes, hidratação excessiva, longos tempos cirúrgicos e permissividade com hipotensão arterial. A suplementação de anti-oxidantes não demonstrou eficácia; talvez, os estoques tenham que ser montados a médio/longo prazo por um estilo saudável de alimentação, controle de peso e atividade física regular e... quem sabe... uma abordagem funcional do microbioma intestinal!
Para quem estuda inflamação e trabalha na prática clínica, parece cada vez mais claro que os intestinos são uma gigantesca glândula endócrina; produzem uma polifarmácia de múltiplos efeitos orgânicos às custas do seu componente alien: microorganismos ancestrais que estão em nosso planeta desde muito antes de nós.
O atual paradigma da Medicina Baseada em Evidências talvez ainda demore muito a apontar seus telescópios para este planeta distante. Enquanto isto, quem se orienta pelo bom senso comprova no dia-a-dia o assunto deste post e, às vezes, tira vantagem disto: ora usando estes conceitos para viver de maneira mais saudável, ora identificando os pacientes sob maior risco, ora minimizando os gatilhos inflamatórios disparáveis durante uma cirurgia.
Quanto aos betabloqueadores?
Bem...
Se quer usar, use com juízo!
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