setembro 30, 2010

Enquanto Manellis passeia...


É A MINHA GRATIDÃO


Conto de Alexandre Figueiredo


Seu filho havia nascido tinha dois meses. Era o sexto, o quarto João da casa, e estava forte, gordo como nenhum de seus irmãos havia ficado em tal tempo.


Era difícil encontrar uma mulher como ela. Apesar de muito pobre, nem de longe era triste, percebia-se facilmente nos gestos e nos seus vastos sorrisos. Sua única tristeza, dizia, era a intolerável dor no coração de perder um filho, ainda anjinho, para diarréia.


Era extremamente virtuosa.


Dentre sua lista de virtudes a gratidão era a maior, mulher humilde e silenciosa que aprendeu a ser diante dos seus poucos desejos. Já não possuía aspirações, apenas a boa sorte de poder cuidar dos filhos, tinha incrível talento para a maternidade.


De si nasceu o seu mundo, e da sua maternidade também nasceu ela própria. Aquela mesma que foi ganhando no corpo excessivamente gordo, oleoso e baixo as marcas estampadas da sobrevivência.


Havia tempo que desejava encontrar o Dr. Julio, quem havia lhe salvo a vida, a sua e do seu último João, num parto em desespero – dor, sofrimento, hemorragia, revivamento. Também lhe tinha ligado as trompas.


Havia ido procurá-lo no consultório e sem demora abordou-o:


- Doutor, fiz pro senhor. Entregando-lhe o bolo fatiado enrolado em pano de cozinha.


Um sorriso ainda mais largo antecipou-se as suas palavras. Regozijava. Chega sentia seu coração batendo ligeiro.


- Dona..., não precisava...! Fiz minha obrigação. Respondeu o médico resgatando na memória o acontecido, no mesmo instante em que reconhecia as dobras escuras em seu pescoço. Não lembrava muito, apenas de alguns detalhes da agonia e de tê-la esterilizado sem vacilação, retrucando meio enfurecido que uma gorda pobre e cheia de filho estaria proibida de engravidar novamente.


Ele a olhava apenas com olhos miúdos.


- Negativo, o senhor tirou meu filho dos braços da morte. Sei que é pouco, mas isso é o que posso lhe dar e saiba que é de todo coração. É a minha gratidão.


Estava mais tranqüila quando o mandou provar. E continuou:


- Olhe para ele doutor, não é lindo! Chama-se João, como os irmãos! Apontando o neném mamando ofegante em seus peitos enormes.


Refez o pedido para que comesse o bolo.


- Muito obrigado, já está mais que agradecida. Disse o médico já de pé, deixando a entender que precisava voltar ao trabalho.


Com certa ferocidade ele o experimentou.


- O senhor merece tudo. Isso aí é a vida! Ela continuou e foi levantando também.


Antes de sair, em meio a um olhar apenas sorridente, completou:


- Esse bolo foi feito pensando no doutor, fiz com meu leite!


E saiu não pulando de alegria, mas bem devagar carregando seu bebê e suas virtudes.


Os outros filhos esperavam-na na porta.


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