julho 10, 2007

Pedro, o urubu.

Entre os propósitos mais comuns de quem procura morar em andares altos estão: livrar-se de vizinhos, do barulho da rua e dispor de uma boa vista ( em Salvador, fugir dos Aedes!). Objetivos atendidos e a satisfação ficaria por aí, não fosse a ocorrência ocasional de alguns fatos como os que compõem o núcleo verídico do texto a seguir, protagonizado por um visitante fortuito e anticonvencional. Tudo isto para falar um pouco sobre Pedro, um urubu simpático que me visitou pela primeira vez às vésperas da morte de um amigo de infância com quem me encontrara poucos dias antes numa reunião de confraternização.
Pois bem, foi assim que com sinistra antecedência, Pedro apareceu-me, como que do além, no guarda-corpo do meu pátio como alguém que chega disposto a contar uma novidade. Fez-se perceber através de aberturas de asas repetidas e, quando finalmente captou meu olhar, ficou parado me olhando. Por várias vezes, me levantei para observá-lo melhor; ele então se jogava de onde estava, com as asas fechadas, simulando uma queda livre e voltando ao mesmo lugar após retomar o vôo vários andares abaixo.
Tal comportamento é inusual para sua espécie acostumada a economizar energia subindo no ar com auxílio das massas termais (minha filha sugeriu que ele poderia estar querendo tirar água do ouvido!).
Após uma série de demonstrações, Pedro reassumiu a postura empoleirada permanecendo assim até o dia em que o telefone tocou anunciando, através de uma outra pessoa presente na mesma reunião onde vi meu desafortunado amigo pela última vez, a sua morte.
O infeliz jogou-se do terraço de um dos prédios mais altos da cidade em pleno horário comercial e se espatifou na calçada deixando mulher, filho e credores estupefatos.
Após examinar a sequüencia dos eventos, muito à maneira de gente idiota, passei a implorar mentalmente outras visitas de Pedro para quem sabe assim, me vacinar desse gérmen de paranóia que estava se instalando na minha cabeça e que poderia me levar a comportamentos bizarros toda vez que avistasse, de uma forma um poco mais idiossincrásica, a aproximação de um urubu parecido com Pedro.
Para azar do meu ceticismo, Pedro apareceu não só na hora do enterro (tipo de evento social ao qual não compareço por razões filosóficas!) como também uma semana depois, na manhã do dia da missa de sétimo dia, deixando-me assim convicto de sua ligação sobrenatural com minhas imaginações e os fatos recentes.
Como se fora um Tomé nagô, passei a desafiá-lo mentalmente a anunciar-me outra morte de alguém próximo. Dias, semanas e meses se passaram até que, para meu pavor, Pedro voltou a aparecer novamente, em rasantes sobre minha janela, às vésperas da aguardada e temida visita anual de minha SOGRA(!) que, penso não por acaso, vinha apresentando umas leves indisposições de foco migratório nos dias que tinham antecedido a viagem (...ora na barriga, ora no tórax, ora na cabeça, ora nas pernas...).
Pensei comigo: seria Pedro uma criatura sobrenatural e agora, que tinha descoberto seus poderes, estaria me dando a chance de escolher a causa mortis daquela que me chama de "genro querido"?
Loucura não?
A querida genitora de minha esposa aterrisou em minha cidade após maus momentos de indisposição no avião causados por sintomas que (para meu desconsolo) foram melhorando à medida em que eu a conduzia vers chez nous. A coisa melhorou tanto que quando ela adentrou nossa soleira parecia prontamente restabelecida como que dali para sempre.
Exibia mesmo um certo ar de imortalidade, eu diria.
Num misto de revolta e indignação, simulei a intenção de guardar as malas e subi até meu gabinete de onde olhei para o ponto onde Pedro costumava pousar pronto a cobrar-lhe explicações.
Lá estava ele, de frente para mim, ao cair da tarde, com uma expressão um pouco desconcertada e, mal esperando para que eu lhe fixasse os olhos, abriu a asa direita apontando para meu canteiro de temperos...
Oh, não!
Estavam todos murchos e ressequidos como se tivessem sofrido a ação de um maçarico.
Shit!
Naquela noite, aprontei uma pizza Marguerita para o jantar.
Mal o disco tinha aterrisado na mesa, minha sogra deu por falta do manjericão e reclamou:

Para mim, uma marguerita sem manjerição é a morte!

Seguiram-se 42 segundos de silêncio sepulcral...
Olhei para pizza, para a p* da sogra, para o canteiro de temperos e senti vontade de contar tudo!
Já ia olhar para fora para ver se contaria com a aquiescência de Pedro quando me dei conta que era noite e, à noite, os urubus fazem as refeições em casa!
Resignei-me e toquei as honras da casa de forma protocolar até a hora do "boa-noite, durmam bem!"

FIM

P.S. Pedro anda meio sumido e, agora que já conheço as manhas, não vou perder a chance de salvar todas minhas preciosas folhinhas quando da iminência de certas visitas!
Em compensação, tenho sido visitado por Jonas, um gavião nordestino típico, muso de João do Vale, que tem acompanhado minhas digitações com um olhar atento e charmoso, não é Jonas?

Bem...
Não liguem para a falta de legendas!
Jonas é meio caladão e, além disso tá um pouco chateado com um vizinho nosso, meio doidão, que o toma por uma reencarnação ornitológica de Elvis Presley!
Mas mesmo assim, fez uma pose para a foto num pé só e com o pescoço virado, à la Profecia!
Vaidoso o rapaz, hã?
Outro dia, através de ondas telepáticas, Jonas me disse que o que pensam ser um topete, na verdade é uma boina francesa legítima.
Mas isto, até então, ele não tinha contado para ninguém.
Disse-lhe que falaria sobre ele no blog e ele me aconselhou a colocar estes relatos ao final do post, pois se alguém chamasse o SAMU psiquiátrico, eu pelo menos teria tempo de acabar a digitação e clicar no botão "publicar" antes da chegada dos paramédicos com os remédios e a camisa de força!
A propósito e antes do fim, Jonas, assim me contou, está interessado em manter relações com veterinárias responsáveis por biotérios de instituições de pesquisa.
Promete um relacionamento desinteressado!
Se você, leitor, souber de alguém que preencha os requisitos...

Até mais!

(estou ouvindo uma ambulância...)

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