Era como se sentiam, numa reciprocidade rara e digna de admiração.
Tinham evoluído juntos por toda infância e adolescência e após um hiato de quinze anos, reencontraram-se numa fortuita coincidência por ocasião da festa de inauguração de uma loja pertencente a um conhecido comum.
Ah, quantas lembranças!
Após cumprimentos efusivos e as perguntas de praxe, esqueceram do resto e começaram a conversar.
A festa foi assumindo aos poucos o lugar de pano de fundo (que aliás toda festa devia ter em vez de tentar se impor através da música alta!) para a memória dos episódios de infância que, narrados sob o filtro do tempo, pareciam ainda mais contrastantes e vívidos sobre o plano das atuais vidas maduras de cada um dos protagonistas: vidas de preocupações, contas, crises conjugais, questionamentos existenciais e convivência forçada com gente ruim.
Coversavam, riam e conversavam... riam novamente...
Sem que se dessem conta, mal tinham chegado ao fim da primeira troca de lembranças e a festa começava a se esvaziar impondo um novo reencontro para que fosse completada a chacina da saudade que sentiam um do outro e de suas respectivas vidas.
Pensaram numa data, descartaram impedimentos mas...disse um deles:
- Olhe, minha vida tem, hoje em dia, apenas um sabor de rescaldo e, não sei quanto a você, mas eu gostaria muito de dar as risadas que dei hoje, mais algumas vezes. Que tal? Façamos o seguinte: vamos almoçar juntos uma vez por semana! Acho que não podemos descartar todo este arsenal de lembranças divertidas!
O outro, matutando em silêncio o aspecto filosófico da proposta, lembrou da ontológia Heideggeriana e aquiesceu à idéia de que somos criaturas históricas: somos um balaio vivo dos nossos conceitos e de nossas lembranças (compreendidas ou não!).
Após pensar sobre isto, olhou para o amigo por instantes e viu em seu rosto, no êxtase estampado pelo reencontro, um pedaço de si a oferecer-lhe um backup das lacunas perdidas de sua auto-historicidade. Parou de pensar e, com olhos de sinceridade, disse:
-Ok, acho que vamos nos divertir muito mas se ficar chato a gente dá um tempo, de acordo?
- Mas é claro!
Começou a série.
Os almoços se sucediam e o assunto parecia não mais terminar. Vez por outra uma viagem de um deles interrompia a regularidade que recomeçava logo a seguir.
Um dia (o último que testemunhei com meus olhos de narrador!), depois de muito conversar, chegaram às lágrimas: lembraram-se que, às vezes por preguiça ou falta de assunto, ficavam na companhia um do outro no mais absoluto silêncio por minutos a fio, sem que isso gerasse constrangimento ou inquietação; de repente surgia uma proposta legal e começavam a fazer algo entretido para ambos.
Nesse ínterim, não se lembravam de falar mal de ninguém e tampouco de coisas ruins.
Voltaram a rir quando um deles sugeriu que a maledicência e os planos malvados são uma espécie de “intervalo comercial” na cabeça de gente pouco inteligente que, por não conseguir tolerar os silêncios mentais necessários, entrega sua mente ao sopro do diabrete que faz ponto em seus ombros.
Interromperam as risadas para se perguntarem em perplexidade:
Quando será que tinham perdido esta capacidade mística de praticar, na vida madura, este planejamento silencioso do próximo momento feliz?
Será que é isto que falta nas suas vidas atuais?
Chegaram à conclusão de que tais perguntas mereciam um exame mais profundo e decidiram interromper os almoços de sexta-feira para marcar o próximo só dali a seis meses quando, se é que conseguiriam, almoçariam em silêncio, só por brincadeira.
Realmente...
A cara deles!
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