abril 24, 2007

Pixinguinha roeu a roupa do rei de Roma

Que sois senão uma alma que arrasta um cadáver?
Epicteto


O bom e velho Epicteto pegou pesado quando perguntou um assunto pessoal desta forma a la Augusto dos Anjos; no entanto, é justamente esta pergunta que me vem à lembrança quando me deparo com as cada vez mais freqüentes matérias sobre a visita do Papa. Você poderia pensar que eu falo do aspecto biológico dele; bem... poderia até ser, mas, na verdade, o que me acode ao pensamento é o fato deste alemão (como Nietzsche) representar, hoje talvez, o ponto mais distante possível da ideologia libertária do fundador de sua linhagem; o cristianismo original era libertário, anárquico, iconoclasta, igualitário, filosoficamente promíscuo e...racional: conhecerás a verdade e a verdade vos libertará!
Ora, qual seria esta verdade que nem Pilatos soube definir?
Eu arriscaria dizer: a última à qual se tenha chegado pelo caminho da razão!
Mas o papa vem aí!
O Papa chega cercado de pompa e circunstância a um país que precisa sériamente de uma revolução antes que o mundo acabe em estufa!
Chegará para galvanizar o estoicismo analfabeto dos brasileiros que enxergam no sofrimento uma profissão de fé; chegará com suas missas em latim, pregando contra a higiene sexual que prescreve a camisinha e sem falar nada contra o genocídio de uma nação endemizada pela corrupção e pelo crime organizado (definido precisamente, por um ministro do STJ, como aquela modalidade de crime que conta com auxílio de um agente público/político); chegará negando a ciência, o único caminho sobre o qual a humanidade nunca deixou de avançar.
Eu não irei vê-lo mas o mosquito da dengue já chegou a Aparecida onde, embora ignorado nos sermões, será lembrado nos hospitais onde promete se apresentar com sua túnica hemorrágica!
Tudo isto começou, para chegar ao ponto que está, quando, já esgotado tematicamente, o estoicismo cedeu à fé cristã o lugar de filosofia oficial do império romano. Ou seja, passaram (os estóicos) um tempão ensinando os discípulos a sofrer com resignação até que foram hibridizados com uma filosofia que prometia a ressurreição da alma e... do corpo!
Esse tal de Constantino não era mole não!
Atrelada ao estado e pregando a subserviência e a iconolatria temos a nossa fé ocidental majoritária que mais parece o cadáver do qual fala Epicteto!
Porém, nem tudo se resume à indignação contra o silêncio dos que podem falar!


Com um dia de atraso, por falta de tempo é claro, celebro aqui o aniversário (110 anos) de um daqueles que, mesmo tendo tudo para ficarem calados, falam muito, ou melhor, tocam: Pixinguinha
É para seus braços generosos que eu corro quando encho o saco de tocar peças complicadas e de me esfalfar em escalas de exercício.
Começo com Segura ele, passo por Rosa, Naquele tempo, Ingênuo e Lamentos para, por fim me deleitar, às vezes com os olhos marejados, com Carinhoso.
Nisso vai uma tarde!
Imortal ao seu modo, Pixinguinha segue ignorado pelos nossos medíocres políticos que sonham com a posteridade nomeando escolas públicas, monumentos e viadutos com seus nomes de família (se você não sabe do que estou falando, visite Salvador!).
Sua obra belíssima encontrou sucesso junto ao público, junto à crítica e principalmente, junto aos intérpretes!
Eles são os verdadeiros elementos sobre os quais se assenta a imortalidade de um compositor.
Isto eu aprendi com Joaquín Rodrigo (compositor do célebre Concerto de Aranjuez).
A idéia imortal sobrevive, por seu apelo estético, prescindindo de ressurreições espirituais ou carnais, na mente dos seus seduzidos.


Salve Pixingunha, agô!


Que sois senão uma alma que arrasta um povo?


Manellis

P.s. Será que não existe um pouco de sadismo das emissoras de rádio e TV em noticiar a prisão conjunta de tanta gente, como na operação furacão, e depois ir anunciando, dia após dia, a liberação fracionada de todos aqueles que gostaríamos que fossem mantidos presos?
Entre prisões e liberações, esta gente acaba mais tempo presa nos engarrafamentos do que nas verdadeiras prisões que merecem!



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