Apesar de todos estes "privilégios", nota-se entre os médicos, sob o verniz dos anos de estudo adicionais, as mesmas características da população (geral) da qual ela se origina: x% de profissionais competentes, y% de charlatães, z% de idiotas, d% de deficientes mentais, loucos, paranóicos, deprimidos etc.
Por outro lado, temos entre os médicos, o maior índice de pessoas que exercem até o fim da vida a sua primeira opção profissional, o profissional de maior credibilidade técnica junto à população e um dos de maior carga horária de trabalho (e estudo!) semanal etc. Estas últimas características (e mais algumas que eu não vou citar porque sua paciência tem limite) faz a individualidade da profissão médica que simplesmente cai por terra quando médicos, informalmente reunidos, param para conversar antes do início da jornada de trabalho no centro cirúrgico, principalmente na Bahia onde o encadeamento das indolências transforma as covencionais 7:30 da manhã (o horário de início das cirurgias) em desesperantes 8:30 ou 8:45´s.
O tema deste post foi colhido numa destas situações quando, depois de termos discutirmos algumas amenidades, um colega médico brandindo um jornal num misto de raiva e inconformismo, disparou:
- Eu não agüento este cara, este tal de Gilberto Gil; sabem, eu fui vizinho deste bosta! é fui sim, morávamos ali na Roça do Lobo (limite atual entre o Garcia/Politeama e o Vale dos Barris em Salvador) e ele ficava com aquela sanfoninha ou com um violão o dia inteiro! ficava brincando de fazer jingles e falando que ia ser músico, que ia tocar no rádio etc; e como era gordo, inchadinho mesmo! Minha mãe sempre comentava: esse aí não vai dar prá nada, bem faz você, meu filho, que está estudando e um dia vai ser médico. O tempo passou e esse cara se meteu num monte de confusões: foi preso, foi expulso do país, fala um monte de coisa de que ninguém entende, beijou homem na boca, faz umas musiquinhas mais ou menos e continua tocando o mesmo violãozinho de merda que tocava naquela época! Após tudo isto esse cara vira ministro! em dois mandatos! e vive correndo o mundo, e falando em inglês, e francês e numa linguagem, que de tão complicada, só ele mesmo entende.
Será que ninguém se dá conta que esse cara não vale tudo isto?
Agora, tá aqui, o jornal dizendo que ele vai ser a figura mais esperada num super festival na América! (sim, é assim que alguns baianos ainda se referem aos Estados Unidos). Dizem que ele é pioneiro no movimento do copyleft!
Ora, ninguém nem sabe o que é isto; dá prá ver logo que o que tem mesmo é uma bruta falta de criatividade: este nome foi puxado de copyright!
Sabem? eu saco estes golpes de mídia no nascedouro!
- Fim da manifestação -
Um espetáculo, não?
Abriu-se uma janela no tempo/espaço e eu fitei brevemente o manifestante inconformado com uma disposição amável e tolerante: tinha à minha frente um médico de aproximadamente 60 e tantos anos de idade, cabelos (e bigode tipo pincel de barbeiro) pintados de preto na tonalidade "coroa tarado", tentando pôr na cegueira do mundo e na degeneração da sociedade a culpa do ostracismo de sua vida ( e supostamente de sua arte) em oposição ao sucesso de pessoas como aquele "tal" de Gilberto Gil.
O bigode, cinto e sapatos pretos que costuma usar, mesmo com roupas brancas, sublinham fluorescentemente suas freqüentes idiossincrasias escutadas em silente aquiescência pela sempre presente e convicta esposa que o auxilia nas cirurgias.
O episódio tinha tudo para ser esquecido mas não foi; não sei se por variação de voltagem na minha CPU cerebral, foi armazenado à minha revelia e, analisado posteriormente, não sem umas boas risadas internas, levou-me à constatação que finaliza este post:
A genialidade (em qualquer forma) e a mediocridade (mental) são forças absolutamente tirânicas da natureza: não oferecem margem alguma de negociação aos seus escolhidos: o gênio não consegue não ser genial e o medíocre, por sua vez, não consegue se livrar nunca de sua condição de tetraplégico mental. Para onde quer que olhe, o medíocre não enxerga o real e o gênio, por enxergar apenas o surreal (sur, do francês "sobre"), não tem limites: seus projetos e seus feitos não são individualizáveis; o gênio, mesmo parado, está realizando!
Na canção "Luar", Gil cita indiretamente Galileu quando canta: o Luar existe só para ser visto, se a gente não vê, não há!
O nosso amigo revoltado não consegue ver (como aliás, muita gente!) onde pessoas como Gil se mostram geniais; ele é um cego e a genialidade é como o luar: imperceptível, inexistente, capaz apenas de provocar variações involuntárias de humor da mesma forma que a lua faz com as marés!
Muitas são sem graça,
Algumas apenas engraçadinhas com prazo de validade.
Pouquíssimas são realmente engraçadas.
Saudades do Morpheus a Nair Belo, em quem a inteligência manifesta sob a forma de humor, representava também uma forma de luar.
P.P.S: Você já imaginou a felicidade daquele que vive com uma mulher que sabe (realmente!) contar piadas?
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