fevereiro 04, 2007

Nada além de ficção retórica musicada

Cena num avião:
- Arnaldo, meu inglês é tão perfeito que não tenho sotaque identificável!
- Ora Paulo, as única pessoas às quais é interessante falar inglês sem sotaque são os espiões.
Protagonistas : Arnaldo Jabor e Paulo Francis
Ouvi esta história há uma década quando das reportagens que noticiavam seu passamento e não consigo imaginar nada melhor para explicar a um extra-terrestre inteligente, de forma rápida, o que era o fenômeno Paulo Francis
Há dez anos, tal qual como acontecia com Tom Jobim, perdíamos Paulo Francis; brasileiro genial que se dizia portador de um egocentrismo intelectual incurável: a ipanemia;
O maior dos nossos polemistas modernos, morria aos 66 anos de infarto após empunhar sua metralhadora enciclopédica por anos a fio divertindo e informando os leitores de suas colunas no quais desencadeava simultaneamente, como só as grandes personalidades são capazes, amor e ódio.
A morte o levou no auge emocional da sua última grande polêmica: declarações de que diretores da Petrobrás tinham contas na Suiça.
A "nossa" estatal moveu então um processo contra ele na justiça dos EUA que na verdadeira acepção da palavra realmente o "processou".
O tijolo da perseguição jurídica vitimava então não só ele, mas toda uma geração de polemistas que a partir de então tiravam o pé do acelerador, e prejudicava de uma vez para sempre a consciência crítica da imprensa que vive órfã da receita biológica de Francis (batizado Franz Paulo Trannin da Matta Heilborn e batizado novamente por Paschoal Carlos Magno na Companhia Teatro do Estudante do Brasil): humor, erudição, versatilidade e ironia iconoclasta.

Por ocasião de sua morte Diogo Mainardi, que já disse uma vez limitar a intensidade dos seus textos à linha da ameaça jurídica, escrevia em 12 de fevereiro de 97:
Difícil encontrar gente mais bajuladora e subserviente do que nós, brasileiros. Francis era o contrário. E sempre escolhia o lado errado. Esquerdista durante a ditadura militar. Direitista quando a esquerda conquistou a hegemonia cultural. Esperneou contra o confisco do Collor. Atacou solitário Fernando Henrique Cardoso. Agora, acabou o antídoto contra o nosso caráter abjeto.
Paulo Francis tinha enterro marcado para a véspera do Carnaval. Até na hora da morte ele tentou estragar a festa.

Rui Castro, nosso grande especialista em história da Bossa Nova, escreveria por sua vez em 5/02/97:

Muitos talvez achassem o contrário, mas Paulo Francis tinha profundo amor pelo Brasil. Seu mau humor e irritação para com os rumos e desrumos nacionais eram um reflexo de sua revolta pelo que o País poderia ser e não era. E o que ele temia era que não fosse nunca. De fora, do alto de sua torre em Nova York nos últimos 26 anos, ele praticamente só enxergava o Brasil. A prova dessa preocupação era a de que nunca amenizou a virulência de suas críticas ou se entregou a um confortável deixa-prá-lá que outros, em sua posição, talvez adotassem. Foi um panfletário e um jornalista de combate até o fim. E posso garantir que não havia nada de pessoal nos ataques que concentrava contra este ou aquele.

Carioca legítimo - Com toda a sua postura de lorde, que o fazia se confundir com a paisagem de Nova York e passar por nativo, Francis continuava a ser um legítimo carioca. Havia muito de molecagem naquele aparente furor - molecagem que vazava nas suas tiradas (sempre entremeadas de citações de marchinhas de carnaval ou de gírias dos anos 50) e nas suas frequentes gargalhadas. Para os que nunca o conheceram na vida real, sua participação no programa Manhattan Connection era o que mais se aproximava do Francis do dia-a-dia.
Em último caso, só lhe restava rir da estupidez humana. Mas mesmo esse riso não escondia uma enorme compaixão pelo ser humano no atacado - e, no varejo, uma grande atenção para com os problemas e dificuldades dos amigos. Devo saber do que estou falando - porque, durante 30 anos, fui um desses amigos. Por trás da carapaça jesuítica e daquelas lentes impossíveis, havia um homem doce, terno que, havia muitos anos, já não precisava esconder que era assim.

Nelson Motta lembrava então:

Há pouco tempo disse - no ar - que 98% das coisas, fatos e acontecimentos não lhe interessavam a mínima e se declarou - para gargalhada geral - "tecnicamente morto". Um dos seus grandes momentos: sabedoria e hilariedade, sinceridade e teatralidade, alta expressividade. "Paulo Francis", o grande carmudgeon, em seus grandes momentos.
Outro, sensacional: "Tudo o que tem na Internet eu sei desde os 15 anos de idade." Gargalhada geral, ele participa.
Fala na verdade de seu enfado e seu desinteresse, com grande humor.
Independente e impenitente, como raros, raríssimos brasileiros destes tempos, falou o que lhe veio à cabeça e defendeu com raro e constante brilho as suas idéias. Poucos contribuiram como ele para o debate político e cultural no Brasil e poucos foram tão sérios e tão engraçados como ele.

Comparar o sentimento pela morte de Tom e de Francis é realmente impossível mas ao contrário de Tom, que entra a qualquer momento pela TV, pelo rádio, no restaurante, na sala de espera etc, os textos de Francis nos fazem uma falta terrível que nos provoca a sensação de termos perdido um parente querido (e esquisito!) há milênios de trevas.

Ele era uma espécie de arquétipo que todas as pessoas felizes enxergam em pelo menos um amigo. Essas pessoas, às vezes desconfortáveis, são o sal do mundo e, tal qual o sal, são indispensáveis à saúde e o prazer de viver desde que consumido em dose certa e diariamente. Vá ao Youtube e procure por ele; divirta-se, dê boas risadas e imagine a possibilidade de que se pudéssemos contar com ele, talvez não fôssemos tão sôfregos ao ricochetear sebastianisticamente entre as colunas de Diogo Mainardi e José Simão.
O amigo Emiliano ( no qual suspeito haver uma cópia parcial Sistema Operacional Francis - SOF) o definiu como o autor brasileiro mais facilmente identificável não importando quão pequeno fosse o fragmento de texto da sua autoria que tivéssemos à mão!
Paulo Francis e a turma do Pasquim foram indefectivelmente compilados e publicados em uma edição muito bem cuidada e prefaciada pelo pessoal do Casseta e Planeta: confira nas livrarias e mate a saudade de uma época em que se matava muito mais que isso!

Prá finalizar,
hoje no meio da tarde, passei no Boi Preto, aqui em Salvador, para resolver um problema que aflige com periodicidade semanal a vida de todo macho humano adulto, heterosexual, monogâmico, fiel e portador de prole: O almoço de domingo.

Fui recebido calorosamente pelo maître Xuxa que desta vez não cumpriu a liturgia de esperar pela minha demanda por um vinho assim ou assado com preço bom e que não constasse da carta padrão da casa, afinal de contas não sou plebeu para beber o que qualquer um pode escolher. Mal me sentei ele veio de lá com o vinho descrito abaixo o qual recomendava enfaticamente; já conhecia a vinícola e alguns dos rótulos com a varietal ora apresentada; este no entanto, safra 2006, trazia a medalha de premiação no concurso de Bruxelas de 2006. Aprendi a respeitar esta medalha por concordar com a premiação em vária ocasiões duas das quais me vêem à cabeça agora: um Viu Manent Malbec e um Santa Ema Merlot, ambos chilenos. O Santa Ema foi especial pois em 2001, ainda me familiarizando com idéia de o vinho poder ter aromas insuspeitos no seu leque organoléptico, reconheci o cheiro de chocolate! O momento teve sabor de revelação e efeito de batismo, nunca mais fui o mesmo.

Casa Silva, Gran Reserva, Carmenére, 2004




Chocolate, especiarias, ameixa, pimenta do reino e Toffee (leite e caramelo). Harmônico, potente, redondo, persistente e balanceado no seu equilíbrio de 80% do volume maturado em carvalho françês e a exuberância das frutas.







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