Acabo de voltar da minha penúltima participação como membro examinador da banca do Título Superior em Anestesiologia.
Agora só falta a última etapa no Congresso Brasileiro deste ano a acontecer em Belo Horizonte, Minas Gerais.
Nestes três anos, ocupei-me de elaborar exames escritos e estruturar arguições orais para os candidatos.
O TSA (Título Superior em Anestesiologia) não é necessário à prática médica da especialidade sendo porém indispensável para que o profissional torne-se orientador de especialistas em formação e para que possa ascender associativamente, inclusive ao cargo de Presidente da Sociedade.
Compõe-se assim, tal título, como um filtro meritocrático pelo qual devem passar todos aqueles que querem atuar como formadores e, ou eventualmente comandar os destinos da entidade.
Um marcador de qualidade?
Sem dúvida!
Tanto para o profissional que o porta quanto para as pessoas que foram formadas em centros de especialização em conformidade com as normas da Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
Infelizmente, nem todos os centros formadores tem essa credencial e, mesmo assim, formam especialistas com o aval único do MEC. Este tópico é vasto e só foi citado para compor um quadro introdutório.
O assunto deste post é a minha experiência, até então inédita, como arguidor de exames orais.
Desde o primeiro exame venho tentando compor um reconhecimento daquele que seria o bom/excelente candidato baseado na leitura corporal do seu comportamento durante o exame.
Creio piamente que a consciência, embora trate-se de um efeito (ou para-efeito) maravilhoso da nossa complexíssima máquina cerebral, não está aqui para reagir ao imediato do dia-a-dia; ela é como um CEO de uma empresa gigante chamada "Nossa Vida". Embora tenha acesso à interação pronta, ela não tem condições de dar conta da velocidade extrema do fluxo da realidade; calcula, projeta, mapeia e subtrai as diferenças com as quais compõe seu banco de dados mas depende efetivamente de núcleos dedicados que não falam através do vocabulário que conhecemos.
Quando entra na sala de exame, o candidato está em uma verdadeira assembléia mental entre sua consciência e seus núcleos sub-corticais que gerenciam memória, estruturação do conhecimento, algoritmos e, claro, a calma, a estratégia e a propriocepção espacial.
Assim que abrem a porta seus olhos entram em modo varredura, suas mãos estão frequentemente frias quando me cumprimentam e a voz hesitante é produto do descontrole diafragmático agravado pelo sedentarismo dos meses de estudo; nós, examinadores, é importante que se diga, também temos expectativas ante a nova interação que se faz necessária.
A arguição começa...
Numa prova oral, muito mais que a extensão, deseja-se saber a profundidade do conhecimento, sua estruturação e a capacidade do candidato de usá-lo para buscar soluções ante a problemas.
Sentado, ouvindo as perguntas e sem se dar conta, o candidato começa uma dança de posturas e expressões faciais acompanhado de um recital de entonações vocais esclarecedoras sobre sua relação com o processo de aquisição do conhecimento:
O curioso epistemológico quer o prazer da elucidação dos mistérios; seu arsenal de conhecimento é interligado multidimensionalmente. Ele invoca soluções plausíveis a partir de modelos diversos, faz construções lógicas não convencionais e exclui o errado a partir de expedientes eficazes de extrapolação ao absurdo.
No seu dia-a-dia, passa boa parte do tempo distraindo-se com a elucidação de regras e padrões onde quer que estes se apresentem.
Mas, claramente, como um marcador infalível, está lá o sorriso!
Pequeno, mínimo... Às vezes, involuntário e não percebido.
A expressão do conhecimento não se manifesta com mímica de dor, susto, medo, aflição ou agressividade.
Estas pessoas são essenciais à humanidade
Ao expressar amistosamente seu conhecimento diante de um futuro especialista, este novo preceptor estará moldando mais um curioso epistemológico; mais um bom especialista; mais um bom médico!
PS Tive a sorte de ter sido orientado por pessoas maravilhosas ao longo do meu processo de formação (que ainda não dei por treminado!) e a sorte de tais encontros moldaram minha relação com o mundo habilitando-me a fruir a vida com densidade. Tiro grande prazer da busca do conhecimento e do seu uso e sou profundamente agradecido a estas pessoas que o destino me apresentou.
PPS A compreensão incompleta e o tempo gasto com ela não podem ser premiados em situações como esta e isto é motivo frequente de insatisfação entre os reprovados. Credenciar formadores mal-relacionados com o conhecimento e sua transmissão é um desserviço pelo qual os presentes integrantes desta comissão estão longe de ser responsabilizados.
Infelizmente, nem todos os centros formadores tem essa credencial e, mesmo assim, formam especialistas com o aval único do MEC. Este tópico é vasto e só foi citado para compor um quadro introdutório.
O assunto deste post é a minha experiência, até então inédita, como arguidor de exames orais.
Desde o primeiro exame venho tentando compor um reconhecimento daquele que seria o bom/excelente candidato baseado na leitura corporal do seu comportamento durante o exame.
Creio piamente que a consciência, embora trate-se de um efeito (ou para-efeito) maravilhoso da nossa complexíssima máquina cerebral, não está aqui para reagir ao imediato do dia-a-dia; ela é como um CEO de uma empresa gigante chamada "Nossa Vida". Embora tenha acesso à interação pronta, ela não tem condições de dar conta da velocidade extrema do fluxo da realidade; calcula, projeta, mapeia e subtrai as diferenças com as quais compõe seu banco de dados mas depende efetivamente de núcleos dedicados que não falam através do vocabulário que conhecemos.
Quando entra na sala de exame, o candidato está em uma verdadeira assembléia mental entre sua consciência e seus núcleos sub-corticais que gerenciam memória, estruturação do conhecimento, algoritmos e, claro, a calma, a estratégia e a propriocepção espacial.
Assim que abrem a porta seus olhos entram em modo varredura, suas mãos estão frequentemente frias quando me cumprimentam e a voz hesitante é produto do descontrole diafragmático agravado pelo sedentarismo dos meses de estudo; nós, examinadores, é importante que se diga, também temos expectativas ante a nova interação que se faz necessária.
A arguição começa...
Numa prova oral, muito mais que a extensão, deseja-se saber a profundidade do conhecimento, sua estruturação e a capacidade do candidato de usá-lo para buscar soluções ante a problemas.
Sentado, ouvindo as perguntas e sem se dar conta, o candidato começa uma dança de posturas e expressões faciais acompanhado de um recital de entonações vocais esclarecedoras sobre sua relação com o processo de aquisição do conhecimento:
- Como ele foi adquirido (com prazer, com esforço, com dor, completa, incompletamente, sob aplausos ou humilhações, com culpa, com alegria, etc)
- Como está armazenado (apenas etiquetado, estruturado, sob a forma de algoritmos, interligado a outros conhecimentos, desarrumado e ocupando muito espaço, memorizado porém não compreendido, etc).
- Como será o uso deste conhecimento frente a quem precisa dele - paciente e médicos em treinamento
- Como será percebido por ele (instrumento de poder, fator de segurança, fator de alegria, elemento de status, competição etc)
- Alto grau de investimento global na formação médica: fizeram boas faculdades e escolheram a especialidade por afinidade intensa.
- Especializaram-se em bons centros (aqueles de melhor avaliação pela SBA)
- Espelharam-se em algum "herói" do conhecimento; frequentemente um preceptor culto e eficiente capaz de transmitir a informação de forma estruturada sob juízo crítico e fundamentado em robustos alicerces conceituais. Este preceptor-herói não humilha a ignorância nem as falhas de raciocínio de seu orientado e sempre fornece feedback instantâneo ao longo do processo de formação.
- A mímica facial e a postura destes candidatos geralmente é amistosa e um sorriso, mesmo que involuntário, está sempre presente nos desenvolvimentos lógicos mais complexos.
- Situações híbridas (onde o conhecimento é cobrado na sua forma mais complexa) são examinados de sistematicamente. Os movimentos oculares denunciam frequentemente a oscilação entre a busca de soluções existentes e o exame lógico de uma nova solução.
- As explicações são claras e resolutas caracterizando-se pela simplicidade e confiança.
O curioso epistemológico quer o prazer da elucidação dos mistérios; seu arsenal de conhecimento é interligado multidimensionalmente. Ele invoca soluções plausíveis a partir de modelos diversos, faz construções lógicas não convencionais e exclui o errado a partir de expedientes eficazes de extrapolação ao absurdo.
No seu dia-a-dia, passa boa parte do tempo distraindo-se com a elucidação de regras e padrões onde quer que estes se apresentem.
Mas, claramente, como um marcador infalível, está lá o sorriso!
Pequeno, mínimo... Às vezes, involuntário e não percebido.
A expressão do conhecimento não se manifesta com mímica de dor, susto, medo, aflição ou agressividade.
Estas pessoas são essenciais à humanidade
Ao expressar amistosamente seu conhecimento diante de um futuro especialista, este novo preceptor estará moldando mais um curioso epistemológico; mais um bom especialista; mais um bom médico!
PS Tive a sorte de ter sido orientado por pessoas maravilhosas ao longo do meu processo de formação (que ainda não dei por treminado!) e a sorte de tais encontros moldaram minha relação com o mundo habilitando-me a fruir a vida com densidade. Tiro grande prazer da busca do conhecimento e do seu uso e sou profundamente agradecido a estas pessoas que o destino me apresentou.
PPS A compreensão incompleta e o tempo gasto com ela não podem ser premiados em situações como esta e isto é motivo frequente de insatisfação entre os reprovados. Credenciar formadores mal-relacionados com o conhecimento e sua transmissão é um desserviço pelo qual os presentes integrantes desta comissão estão longe de ser responsabilizados.
Um comentário:
Gostei do insight do sorriso.
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