Acho que pelo menos uma coisa há em comum entre todos que, como eu, decidiram pelo caminho autodidata no aprendizado de um instrumento musical: a impaciência e a ironia dos circunstantes!
Eu ainda patinava nos primeiros acordes quando minha mãe, impaciente, não se contendo, disparou numa daquelas tardes em que repetia ad nauseam uma sequência de acordes: oh meu querido! Será que vai demorar muito para vc sair do besta-é-tu?
Eu não tinha a menor idéia do que fosse besta-é-tu embora conseguisse captar que não era nada elogioso.
Besta-é-tu era uma canção de um dos primeiros discos dos Novos Baianos.
Linda, maravilhosa porém muito menos compreendida que a xaroposa "É preciso saber viver".
Tratam do mesmo tema: o que fazer da vida.
O repetitivo besta-é-tu do refrão é apenas uma referência à vida repetitiva de quem vive bestamente.
A geração de meus pais, infelizmente, não entendia estes concretismos!
Minha mãe notou a mágoa que me causou o comentário e nunca mais me disse nada que não fosse elogioso quando o tema era minha ainda sofrível execução instrumental.
O tempo passou e eu que me encantara pela A Cor do Som passei para Toquinho e Vinícius, depois para Baden, Pixiguinha, Jacob, Noel, Caymmi, Garoto, Tárrega e finalmente Paco de Lucia, Raphael Rabello e Toninho Horta.
Ufa!
Uma longa lista de ídolos.
Hoje em dia vou e volto às raízes da MPB para novas análises à medida que meu senso estético se apura.
Nessas idas e vindas que os amantes da música sempre fazem, é inevitável que se examine os Novos Baianos.
Alternativos e geniais deixaram um maravilhoso legado de canções e atitudes.
Foi re-examinando o trabalho deles que reencontrei-me com uma maravilhosa canção falando do tema família.
Minha mãe não tinha culpa de não entendê-los. Até hoje muita gente não entende.
Sua obra está fora do tempo.
Ouça com atenção os material abaixo.
Canção de um tempo no qual os rebeldes eram realmente originais, sabiam tratar bem a língua portuguesa e carregavam consigo profundas noçoes de família.
E de quebra, sabiam tocar!
Eu sou o caso deles
Composição: Morais/Galvão
Minha velha é louca por mim
Só porque eu sou assim
Meu pai, por sua vez
Se liga na minha
E nos "butecos" onde passa
Não dá outro papo
Eu sou o caso deles
Sou eu que esquento a vida deles
No fundo, no fundo
Coloco os velhos no mundo
Boto na realidade
Mostro a eternidade
Senão eles pensavam
Que tudo era "divino maravilhoso"
Levavam tudo na esportiva
Ficavam contanto com a sorte
E não se conformariam com a morte
Minha velha é louca por mim
Só porque eu sou assim!
O material completo está aqui
na discoteca de um velho amigo que não se incomoda de emprestar tesouros.
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