setembro 05, 2010

Lógica na UTI

Como previamente anunciado neste blog, aconteceu este fim de semana o SIMI: Simpósio Internacional de Medicina Intensiva do Hospital Espanhol de Salvador. Uma realização de fôlego dos colegas da Terapia Intensiva do referido hospital. Convidados estelares palestraram no evento sobre os temas mais importantes da terapia intensiva moderna.
Convidado que fui para falar sobre modulação inflamatória durante o período peri-operatório não pude deixar de me sentir estranho com o que para mim parece uma obviedade mas que aparentemente escapa ao entendimento de um bom número de colegas médicos e talvez da indústria farmacêutica.
Numa liturgia praticamente fixa, muito do "assunto" científico da especialiidade segue uma sequencia com pontos bem definidos: alguém teleologiza um efeito benéfico para uma intervenção, demonstra numa etapa preliminar a propriedade de sua hipótese, a hipótese ganha atenção, começam as tentativas de replicar os resultados, os resultados vão minguando, começam os megatrials e o que era pouco se dilui mais ainda até que inflexiona-se o caminho com a busca da "população" alvo do maior benefício.
Todo o processo se repete até que no lugar do último item da sequencia prévia, decide-se pela inclusão da peça que faltava: a busca da dose ótima!
Tudo se repete mais uma vez e alguém sai com a idéia de que o que falta mesmo são "endpoints"!
O processo se repete até que que se assume pela inconclusibilidaden diante de uma intervenção pontual numa sequência "muito complexa" e "multi-determinada"
Neste ponto, a indústria já produziu e vendeu o que queria, palestrantes correram o mundo posando de investigadores desprovidos de conflitos de interesse, muitos profissionais esforçados ciclaram a sensação de atualização plena com a de vacuidade etc, etc, etc...
Chato não?
Um grande circo cujo espetáculo é felizmente interrompido de tempos em tempos por sacadas realmente geniais que saltam da vanguarda para o clássico sem passar pela fase de clichê promovendo um real avanço no conhecimento.
A indústria, naturalmente, vai dar um jeito de pongar aí também!
Isso quando não acontece de algo que é claramente benéfico na prática clínica ser descartado somente por não ter sido validado incondicionalmente.
Relativo ao tema que apresentei, é incrível e patético que se tente intervir pontualmente num mecanismo pleiotrópico, resiliente e tão complexo como a inflamação.
Fico pensando: será que essa galera não percebe que se houvesse uma bala mágica ela já teria sido achada por um inimigo infeccioso ao longo da estrada da seleção natural e liquidado com nossa espécie?
Seria ingenuidade ou um cinismo travestido patrocinado por interesses comerciais?
Saberemos um dia?
Ano que vem teremos outro SIMI.
Oxalá apareça alguma coisa melhor para apreciar do que apresentações que terminam por declarar incoclusibilidade sobre os dados obtidos até o presente!

P.S. Se vc perdeu um ente precioso vai aqui mais uma notícia-paradoxo deste mundo louco:

Diamonds are forever

Nem a morte escapou do avanço do processo de mercantilização com o apoio da tecnologia. No último 9 de julho foi entregue o primeiro diamante de cinzas humanas do Brasil, pela empresa curitibana Funerária e Crematório Vaticano. A confecção do diamante é feita por uma empresa suíça, a Algordanza, que, para produzir a pedra preciosa, submete as cinzas da cremação a sessões de alta pressão e temperaturas de até 1.500 ºC, durante dois a três meses. Meio quilo de cinzas resulta em um diamante de 0,25 quilates, vendido a R$ 12.677. Os diamantes podem ter até 1 quilate, e, nesse caso, custam R$ 52.330. É impossível não especular até que pontojavascript:void(0) a tecnologia poderia ou deveria interferir nos processos vitais da natureza

Sugestão: transforme as cinzas de sua sogra num lindo diamante/pingente para seu papagaio!

A contemporaneidade é um show!

P.P.S. O post Anéis e Luvas tinha saído sem um pedaço!
Já corrigi
Não deixe de assistir à palestra sobre a angústia de escolher.

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