julho 24, 2009

Versailles do cerrado

Já coloquei em algum post anterior que a razão é uma ferramenta que nos ajuda, infelizmente, apenas com o processamento de uma parte da realidade sensível.
Meu Deus!
Quantas encruzilhadas lógicas,
Quantos  becos-sem-saída,
Quantos impasses...
Todos eles enterrados sob o manto do deixa-prá-lá-que-outro-dia-eu-vejo-isso
Às vezes lembro-me dos teólogos medievais embatucados com uma possível origem divina para o mal
Outras, dos físicos e suas  dúvidas a respeito da natureza corpuscular/onda da luz
Ou até mesmo de meus amigos ateus quando patinam sobre o binômio determinismo/livre-arbítrio.
Este post, ao contrário do que parece, não pretende ser um ensaio a la Montaigne sobre o tema dos limites da razão. Muito menos que isto, só queria repercutir um editorial recente da Folha (22/07/09) que dá conta da indiferença mútua praticada entre brasileiros e seus políticos.
Prá que serve este regime sob o qual vivemos?
Será apenas um freio-de-mão puxado frente à ladeira da parede da cratera que abre sua boca lamacenta querendo nos tragar para a vala comum da américa católica?
A sociedade brasileira parece viver um infeliz casamento de aparências com suas instituições democráticas.
Triste, tristíssimo...
Quarentões normais, como eu, devem existir às multidões caminhado por aí e se perguntando por que suas infâncias, sob a normalidade oficial da ditadura, parecia tão mais normal que a que seus filhos vivem hoje.
Não devia ser assim, mas...
É!
Um amigo meu costuma dizer que, após alguns anos de casamento, marido que ainda beija a esposa na boca pode ser diagnosticado com pervertido sexual!
Será que vivem um caso de perversão aqueles que ainda creem na possibilidade desta Pindorama vir a se transformar em algo realmente bacana?
Ou como diria Caetano, num país digno da Bossa-Nova?
Se tudo isso, vez por outra, passa pela minha limpa, sadia, calma e hedonista cabecinha de ensaísta, músico e longboarder amador(es); o que será que pensam agora os linhas-duras, reacionários e saudosistas de outros tempos na hora em que seus medicamentos psiquiátricos vão chegando ao final de sues efeitos na vizinhança da próxima dose?
Em 14 de julho de um passado qualquer, uma multidão foi buscar seus reis para a guilhotina numa Versailles não muito distante da Iluminista Paris.
Será que...
Mas Brasília...
Pô, Brasília é longe prá c*!
Será que JK tinha esta intenção?

Vai abaixo o texto do referido editorial.
Leia, medite e lixe-se.
Cuidado com a montanha de pó-de-serra!

Lixam-se todos 

Se parlamentares não consideram a opinião pública, também esta parece cada vez mais "se lixar" para a política

COMO NINGUÉM é de ferro, também o Congresso entra em férias, e o Executivo o acompanha. Ministros abreviam seus compromissos em Brasília, enquanto os membros do Legislativo -que fizeram menos do que nunca, neste ano, para justificar sua função- recolhem-se a um imerecido período de recesso.
Alguns analistas políticos consideram que, mesmo durante as férias parlamentares, não haverá esmorecimento nas denúncias que se abatem sobre o presidente do Senado, José Sarney, e sobre tantos outros políticos que com ele rivalizam em apadrinhamentos e abuso de prerrogativas.
Se for verdadeiro o prognóstico, será eloquente também. Pois o que se vê, na política brasileira, é um progressivo descolamento entre o ritmo dos escândalos e a lógica da disputa parlamentar.
Em outros tempos, uma bancada "de oposição" cerraria fileiras contra os protagonistas de cada escândalo. Hoje, não há legislador que não tenha seu telhado de vidro.
Como resultado, desaparecem os canais políticos capazes de dar vazão ao inconformismo dos cidadãos mais informados. Ainda que afrontosa, a frase do deputado que declarou "se lixar" para a opinião pública não deixa de fazer sentido.
É que o sistema eleitoral em vigor não corresponde ao desenvolvimento da consciência política da sociedade.
O mecanismo do voto obrigatório constitui, sem dúvida, um dos principais fatores a acentuar o hiato entre o comportamento do eleitor e as reações, frequentemente indignadas, dos cidadãos que tomam conhecimento dos abusos cometidos por seus representantes.
Não é este, contudo, o único motivo para a completa sem-cerimônia com que deputados e senadores transitam pela maré de escândalos que os cerca. Ao contrário do que ocorreu em alguns momentos marcantes da história do país -como a mobilização em torno das Diretas-Já ou do impeachment de Collor-, vê-se hoje uma apatia generalizada no seio da sociedade civil.
Apatia, bem entendido, não significa ausência de julgamento nem de opinião; precisamente, a "opinião pública" continua viva nestes dias. Reduz-se, entretanto, a ser apenas uma "opinião", sem forças para converter-se em real força política.
Poderão assim prosseguir, como é previsível, as revelações de mais e mais desmandos no Senado; o recesso parlamentar não conta, num ambiente em que inexistem bancadas partidárias comprometidas seriamente com a ética política.
Lixam-se todos, em resumo, para a opinião pública.
Não é este o pior aspecto da situação. O pior, e parece já acontecer, é o fenômeno inverso. Também a opinião pública se lixa para eles. Sabe de que matéria são feitos; desiste de corrigi-los; prevê que serão eleitos novamente; declina, em suma, de se ver representada do ponto de vista político, abandona a participação democrática em favor de uma suposta normalidade institucional: no mar de lama, navega-se sem susto.

Um comentário:

andreromeo disse...

Caro Manellis:

Perdoe-me por utilizar seu blog mas gostaria de enviar-lhe o texto abaixo, porém não tenho seu e-mail.
Grande abraço,

André



-Uma besta fera agrediu meu colega-

Uma besta fera, covarde e vil, agrediu meu colega. Acasos circunstanciais, verdadeiros ou não, sempre alegados no confortável desconhecimento do leigo, não atenuam tal ato.
Respaldada na certeza da impunidade a besta fera agrediu meu colega por saber que contará com a cumplicidade servil de bocões e boquinhas, tapas na mesa, dedos na cara, por saber que, se assim desejar, terá páginas em branco escancaradas para derramar sua bile odiosa.
A besta fera agrediu meu colega porque agredir médico é fácil, é corriqueiro; médicos são agredidos a todo o momento por pacientes e seus familiares, por palavras, gestos, insinuações e olhares oblíquos. Afinal de contas, em todo e qualquer caso, a culpa é sempre do médico.
Ninguém o defende, ninguém reclama; agredir médico faz parte do extenso rol de direitos do cidadão deste país infeliz, largos horizontes, mentes tacanhas, terra de homúnculos.
A besta fera que agrediu meu colega permanecerá impune, ciente da justeza da sua causa; logo uma legião de repugnantes engravatados estará ao seu lado para garantir-lhe, e a todos, que nada de reprovável ocorreu.
Enquanto isso quedamo-nos pasmos com o silêncio ensurdecedor produzido pelas nossas entidades e associações de classe. Noblesse oblige?
Bestas feras devem habitar as florestas, os zoológicos ou as cadeias, mas já nos acostumamos a cruzar com elas no trânsito, nas praias, nos shoppings, e agora, nos hospitais. Paciência.
Nada posso fazer pelo meu colega agredido pela besta fera, a não ser pedir-lhe desculpas pela minha omissão e covardia.

André Luis Barbosa Romeo – CRM 7646
24/07/09

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