junho 01, 2009

Sorria!

O almoço era o de sempre: aos sábados
O seu final, desta vez, guardava uma surpresa como acompanhamento das bolinhas de jenipapo.
- Você nem imagina o que eu achei esta semana remexendo umas coisas...
Com um sorriso nos lábios sua mãe estendeu a mão para passar-lhe uma foto
Nela, estavam ele e o pai; numa pose formal, provavelmente numa festa qualquer daquelas às quais era levado quando tinha 8 anos de idade por um pai orgulhoso que o apresentava a todos como "o meu boneco!"
Esquisito, mas era assim, à época, uma super demonstração de carinho.
Tomou a foto em mãos e começou a percorrê-la visualmente
Lembrou da camisa que usava e pôs-lhe as cores que faltavam na foto em P&B.
Da calça, lembrou apenas que o tecido pinicava e que (como não usava cuecas) relutou muito em vesti-la tendo-o feito apenas para não desagradar sua mãe. Deixou-a em preto e branco!
Nos pés, os sapatos eram bizarros tênis infantis pretos.
Após o vestuário, a foto foi então examinada pixel por pixel até que, ao retirar os olhos para descanso, pensou:
Pois é... aquele sou eu!
Aos oito anos.
Mas não pode ser!
Não deveria ser...
Este garoto tem um olhar tão triste...
Os olhos são encovados, o cabelo mal cortado, a postura torta, uma magreza apática...
Parecia um refugiado!
Um recém-liberto de Dachau.
Como um motorista que olha uma notificação de infração de trânsito ele não podia negar: era ele mesmo!
Sem voltar os olhos à foto, voltou a bobina do tempo para achar evidências de felicidade cotidiana na época.
Algo que o ajudasse a colocar aquele instantâneo na galeria dos contra-pés de expressão que fotógrafos apressados registram com desagradável frequência.
Deixemo-lo ver...
Terceiro ano primário, praia aos fins de semana, doces, a euforia pós copa de 70, parques de diversão, o bairro inteiro para percorrer de bicicleta, bolinhas de gude, pipas (arraias!), fura-pé, pião, frutas frescas do pomar de um morador do bairro, futebol de rua nos finais de tarde, pique-esconde (um, dois, três, salve todos) depois do jantar, a sineta e a correria para a kombi da Sorveteria Primavera às 9 da noite, os primeiros discos de Raul Seixas na vitrolinha nova...
Pô,
Nada de errado!
Mas aquela foto...
E se ele fosse realmente triste?
Quer dizer, triste por dentro?
Exceto pela garantia das lembranças (estranhas agora que contempladas desta forma), parecia-lhe que estava olhando para outra pessoa!
Uma pessoa que morreu gradativamente entregando-se para as fases seguintes sem sofrer, sem agonizar, sutilmente.
Sepultada sob a substância dos conhecimentos que agora tem (ou que acha que tem)
Pensou um pouco mais e relaxou.
Afinal, era apenas uma foto de um garoto (aparentemente) triste contra uma tonelada de lembranças felizes e estruturalmente bem arquivadas.
É isso...
Ele ERA feliz!
Não pode haver dúvida.
Subitamente, uma sensação estranha tomou conta dele e seu raciocínio foi desviado para considerar que fases deviam vir se sucedendo ao longo da sua vida e, da mesma forma que aquele garoto morreu de uma forma encantada dentro da adolescência que o sucedeu, ele (em plena meia-idade) haveria de morrer gradativa e inocuamente dentro de um sexagenário que certamente estranhará de alguma forma seus planos e ambições de agora ou até mesmo a falta de algum arsenal vital de consolos filosóficos.
Bom, a não ser por uma fatalidade (rsrsrsrs, literal!), ele era imortal dentro da sua meia-idade!
Isto era fantástico,
Awesome,
O tempo e o conhecimento eram, juntos como agora recém-descoberto, "a" ferramenta de transcendência!
Ele, agora dentro deste momento, era I-M-O-R-T-A-L
Acabava de forjar uma máxima idiofilosófica!
Mas...
Aquela foto...
(Olhou-a de novo)
Ora, era apenas uma foto.
Tirada por um mau-fotógrafo.
Decerto.
Apenas uma foto...
Só isto,
Concluiu com um mezzo-sorriso de highlander!
Afinal,
Who wants to live forever?

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